“Algumas sociedades trataram amigavelmente as florestas e foram sustentáveis, enquanto outras, que não souberam fazê-lo, entraram em colapso. Lições podem ser aprendidas com os exemplos do Japão e da Ilha de Páscoa”

Por Maurício Andrés Ribeiro (*)

Decisões sobre o meio ambiente influenciam o futuro das sociedades. Entre as mais estruturantes, estão aquelas de como se relacionar com as florestas. Algumas sociedades trataram amigavelmente as florestas e foram sustentáveis, enquanto outras, que não souberam fazê-lo, entraram em colapso. Lições podem ser aprendidas com os exemplos do Japão e da Ilha de Páscoa.

O Japão aprendeu há séculos a se relacionar de forma amigável com florestas e águas. Com área total de 372 mil quilômetros quadrados (equivalente à do Rio Grande do Sul) e com 125 milhões de habitantes, a densidade média da população é de 314 habitantes por quilômetros quadrados, cerca de 20 vezes maior do que a média brasileira.  As densidades de ocupação do solo são muito altas nas cidades. Cercado de mares e rico em fontes de água, o Japão tem topografia montanhosa – 70% da superfície constituem os alpes japoneses, espinha dorsal do arquipélago, com ocupação humana rarefeita. Hoje os alpes japoneses são, em sua maior parte, ocupados por florestas, que servem para a proteção dos solos e o controle da erosão e para reduzir o assoreamento nos vales férteis. Associações florestais exploram e comercializam a madeira, usada para mobiliário e construção civil. A floresta demora 80 anos para ser explorável, é considerada mais como poupança do que como investimento de retorno em curto prazo.

Programas de florestamento de encostas e de proteção à cobertura vegetal por meio de cooperativas florestais reduziram as inundações nas planícies e os prejuízos à economia agrícola. Mas isso nem sempre foi assim. Havia grande demanda por madeira para construir os castelos e casas. As cidades sofriam com terremotos e incêndios que exigiam periódica reconstrução.  A lenha era usada para cozinhar alimentos e como combustível para produzir telhas e cerâmica.

O Japão mostra que a aprendizagem coletiva é um processo cultural em que se aprende a partir dos erros, em aproximações sucessivas. Observaram-se causas e consequências do desmatamento: deslizamentos de encostas e erosão de solos, que se depositam nos vales, o que leva a inundações, que causam prejuízos à agricultura, tendo como consequências a redução de oferta e o encarecimento de alimentos, a inquietação social, a instabilidade e a insegurança política. O Japão buscou, no exterior, o apoio de quem conhecia bem as inundações: contratou os holandeses, que sabem conter o mar com diques e evitam com que as terras baixas se inundem. Entretanto, suas propostas não tiveram sucesso, pois não estavam habituados a lidar com ecossistemas montanhosos. Os japoneses observaram, então, que eram menores as enchentes numa região em que se protegiam as montanhas com florestas.

Disseminaram aquelas práticas em todo o país. O florestamento dos Alpes japoneses conteve erosões e sedimentos e reduziu inundações. Hoje, o Japão ensina a convivência harmônica com a água. Nas cidades, evita-se que córregos sejam aprisionados em canais fechados, o que aumenta riscos de prejuízos quando ocorrem grandes fluxos de água. As cidades voltam-se de frente para os lagos, rios e regatos. Criam-se parques lineares nos fundos de vales urbanos e, quando ocorrem enchentes, não há grandes prejuízos econômicos ou mortes. Promove-se a reintegração urbana da paisagem ribeirinha e dos seus animais.

A água é um elemento central no paisagismo e nos jardins japoneses. O solo mantido permeável evita que a água de chuva escorra diretamente para os rios; ela infiltra lentamente no solo.

Por outro lado, várias sociedades colapsaram ao não se relacionarem harmonicamente com a vegetação. Jared Diamond, em seu livro Colapso, estuda a Ilha de Páscoa, um ecossistema frágil que era coberto por palmeiras gigantes e habitado desde o século 8. Ele pergunta: como pôde aquela sociedade tomar uma decisão desastrosamente tão óbvia, a de cortar todas as árvores das quais dependia?

Entre os anos 1200 e 1500 os chefes tribais competiam para construir a maior estátua de pedra (moai) para agradar aos deuses e para seu  próprio status. Disso resultou a sobre-exploração dos recursos e o desflorestamento da ilha, pois as palmeiras altas lá existentes eram usadas para produzir cordas grossas feitas de casca fibrosa de árvores, alavancas e demais apetrechos necessários para esculpir, transportar e erigir as estátuas.

A fauna e os cursos d’água foram eliminados; consequentemente, houve a perda das condições de abastecimento alimentar e da capacidade de suporte do ambiente. Com a fome, a consequente eclosão de conflitos violentos, instabilidade política e canibalização entre os grupos. A Ilha de Páscoa entrou em colapso por causa da associação entre fragilidade ambiental e impossibilidade de emigrar, devido à localização distante, combinada com fatores humanos: poder, competição entre clãs e chefes que sucumbiram a seus interesses e percepções imediatos e levaram à construção de estátuas maiores, requerendo mais madeira, cordas e alimentos;  falta de sensibilidade e percepção sobre a importância das florestas. No século 18, a ilha tinha poucas árvores, poucos habitantes e mais de 880 moais, as estátuas gigantescas de pedra.

Jared Diamond pergunta por que algumas sociedades demonstram tal estupidez autodestrutiva. Ele ensaia algumas respostas: quando a situação é nova e faltam experiências prévias, elas não percebem e falham ao tentar resolver os problemas. Nas sociedades que colapsam, aqueles que cometem atos destruidores são altamente motivados pela perspectiva de ter prestígio e status; também são motivados pela ganância de terem lucros imediatos, enquanto as perdas recaem sobre grande número de indivíduos. Ao apontar a crença equivocada de que a elite pode manter-se imune aos problemas da sociedade no entorno, ele adverte que os ricos não asseguram seu próprio interesse e os de seus filhos se governam uma sociedade em colapso. Eles simplesmente compram, para si próprios, o privilégio de serem os últimos a passar fome e morrer. Quando as elites tendem a defender o interesse próprio, provocando o mal para os outros, atuam de modo racionalmente correto, mas moralmente repreensível.

Ele aponta dois principais caminhos para terem sucesso: de cima para baixo (o caminho dos xoguns japoneses), com planejamento de longo prazo e vontade de reconsiderar valores dominantes. O caminho de baixo para cima, a partir de ações locais, superando as falhas de percepção que ocorrem quando os governantes estão distantes; é relevante que as elites não se isolem das consequências de suas ações, tal como fazem os holandeses, pois se um dique romper, todos podem se afogar. É fundamental a audácia, a coragem para olhar os problemas no longo prazo e agir de modo antecipatório, antes que haja a crise. Finalmente, quando os tempos mudam, a sociedade deve saber a quais valores se apegar e quais deve descartar e substituir por novos valores.

No Brasil, a mata atlântica foi reduzida a uma fração de sua área original; o vale do rio Doce sofreu intenso desflorestamento no início do século XX; árvores foram queimadas como carvão vegetal para alimentar os fornos de ferro gusa; as terras foram usadas por pouco tempo para cultivo e ao se esgotarem os solos, para pastagens, com capacidade decrescente. Os fazendeiros da região compraram, então, terras no Pará, onde reiniciaram o mesmo ciclo de exploração destrutiva. O desmatamento já foi diretamente incentivado e bancos oficiais continuaram a investir recursos em frigoríficos e empreendimentos que aceleram a devastação na Amazônia. O consumo interno e a exportação de carne, soja, madeira são fatores que pressionam pelo desmatamento.

Entretanto, há no Brasil exemplos positivos de ação de baixo para cima. Entre eles se destacam a recomposição da floresta da Tijuca,  no século 19, primeiro projeto de reflorestamento urbano do mundo, para preservar a água que abastecia o Rio de Janeiro; o projeto liderado pelo fotógrafo Sebastião Salgado de reflorestar a fazenda Bulcão, em Aimorés, no vale do rio Doce, e que se irradia  positivamente para a região; o pacto pelo desmatamento zero com ampla participação no município de Paragominas, no Pará, que já foi um dos campeões de desmatamento.

Ao aprovar e colocar em prática um novo Código Florestal, o Brasil seguirá o caminho da Ilha de Páscoa ou o do Japão? O Brasil dará um passo rumo ao colapso ou a uma civilização sustentável?

(*) Autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia
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