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Artigo de Valdir Lamim-Guedes e Márcio Bustamante publicado no Boletim Diário Ecodebate link

Manifestações que aconteceram em Genebra no dia 28/nov/2009, por causa de uma reunião da OMC, publicada pelo
Foto: Manifestações que aconteceram em Genebra no dia 28/nov/2009, por causa de uma reunião da OMC, publicada pelo “Tribune de Geneve“,

[EcoDebate] Às vezes tem-se a idéia de que a emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) tem se mantido alta, porém estável, nos últimos anos. Contudo, dados divulgados recentemente escancaram a situação climática global. A Organização Mundial de Meteorologia (OMM), entidade climática da ONU, divulgou boletim1, referente ao ano de 2008, desmentindo esta idéia. Em 2008, as concentrações na atmosfera de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, principais GEE de longa duração, alcançaram as maiores concentrações desde a era pré-industrial (antes de 1750). E este aumento tem acelerado nos últimos anos No caso do dióxido de carbono, as emissões atingem escalas exponenciais, chegando, em 2008, a 385,2 ppm (número de moléculas de gás por milhão de moléculas de ar seco), um aumento de 2ppm em relação a 2007 e de 105.2 ppm e relação ao período pré-industrial.

Entre 1990 e 2008, o aumento da radiação gerado pelos gases foi de 26,2%. Entre 2007 e 2008, a taxa chegou a 1,3% de alta. “O aumento é exponencial”, afirma Michel Jarraud, secretário-geral da OMM. O CO2, de fato, foi o gás que mais contribuiu para o aumento de concentração. Entre 1979 e 1984, o CO2 respondia por 56% do aumento da radiação. Entre 2003 e 2008, o CO2 foi responsável por 86%2.

Jarraud indicou que os dados demonstram que o mundo caminha para os cenários mais pessimistas elaborados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). “Se olharmos os relatórios do IPCC, estamos já nos cenários mais pessimistas elaborados pelos cientistas. Se continuarmos nesse padrão mais alto de emissões e concentração de gases, isso também significará que a temperatura vai aumentar acima do que todos queremos”, afirmou2.

Os dados apresentados pela OMM referem-se à situação atmosférica global. Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros com colaboração internacional3, dá uma visão geral da situação nacional. A revisão apresenta cálculos feitos com base em cinco fontes de emissão – energia, processos industriais, agricultura, mudança de uso da terra e resíduos para o período de 1990-2005. A emissão total de GEE, em equivalente a dióxido de carbono (medida utilizada para comparar as emissões de vários gases de efeito estufa baseado no potencial de aquecimento global de cada um), aumentou 17% durante 1994-2005. Segundo o documento, a pecuária é o setor que merece maior atenção, pois ela tem um papel muito importante nas emissões do território brasileiro.

O desmatamento foi o principal vilão, sendo responsável por mais da metade da emissão brasileira (56,3%). A segunda maior contribuição vem da queima de combustíveis fosseis (13,6%), seguido pela fermentação entérica (11,3), solo de áreas de agricultura (8,4%) e outras fontes menores (10.4%). Estes dados retratam uma situação impressionante das emissões brasileiras. Certamente a maior parte vem da criação de gado, pois esta atividade está ligada ao desmatamento (sobretudo na Amazônia), liberação de metano (fermentação entérica e decomposição de fezes) e produção de óxido nitroso (advindo da decomposição de urina).

Contabilizando as emissões brasileiras, o nosso país é um dos maiores poluidores mundiais. No entanto, quando se exclui mudanças no uso do solo e reflorestamento, a aumento foi de 41,3% durante o período e 1994-2005, ainda assim estes valores colocam o país apenas na posição 78ª, segundo o estudo3. Ainda assim, isto indica que o Brasil “sujou” a sua matriz energética, com mais carros movidos a gasolina e termoelétricas, entre outras fontes poluidoras. Apesar disto, a existência de hidrelétricas permite uma produção de energia bem menos poluente do que outros países, que têm sua matriz energética baseadas no petróleo e carvão mineral. Cada brasileiro é responsável pela emissão de 10 toneladas de gás carbônico (CO2) por ano, em média. O número é duas vezes maior do que a média mundial (dados da Rede-Clima – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE)4.

O Brasil, portanto, tem um papel importantíssimo no combate às mudanças climáticas, por dois motivos principais: 1) apresenta um estoque de carbono enorme nas áreas florestais, que deve ser mantido aprisionado nas árvores; 2) as emissões de GEE brasileiras devem-se, essencialmente, ao desmatamento e criação de bois.

“Os países ricos, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, vão ter que colocar dinheiro para ajudar países em desenvolvimento e (para que) os países mais pobres possam também assumir metas, mas ao mesmo tempo têm que ter acesso a novas tecnologias e a financiamento, para que os países em desenvolvimento continuem crescendo”, disse Lula no programa semanal de rádio (30/nov)5. Esta é a posição do governo brasileiro quanto às negociações. Ao fixar metas voluntárias (por não ser um país anexo 1), o governo brasileiro cria um fator para pressionar os países ricos a se comprometerem efetivamente por um acordo climático ousado.

Esta necessidade de financiamento, por parte dos paises ricos, das atividades de adequação dos países pobres às mudanças climáticas, bem como para reversão no sentido de uma economia de baixo carbono tem três razões principais de ser: 1) estes países foram privilegiados pela revolução industrial, e desde então passaram a emitir muito carbono, sendo, portanto, grandes poluidores historicamente; 2) muitos países pobres têm grandes áreas florestadas que mantêm carbono fixado nas árvores, e 3) os países que mais sofrerão com as mudanças climáticas serão os de regiões tropicais quentes (África, por exemplo) e paises insulares. Desta forma, existem fortes argumentos a favor da transferência de recursos e tecnologia para estes países.

No caso do Brasil, o pagamento pela não emissão de GEE pela manutenção das florestas em pé pode ser valorizada a partir dos REDD (Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação Evitados). Esta será uma das principais questões a serem discutidas durante a COP-15. Além do financiamento e da adaptação às mudanças climáticas, os países ricos tem que trabalhar pela redução de emissões nestes países. Vale lembrar que boa parte das emissões do Brasil devem-se ao fornecimento de carne e grãos para estes países. Neste sentido, apesar de existir o argumento de geração de renda por causa destes produtos, esta renda não é bem dividida, desta forma, na verdade, estamos dividindo o custo das mudanças climáticas entre todos por causa da geração de lucro para uns poucos.

Os países ricos têm que mudar os hábitos de consumo de seus cidadãos. É inaceitável que cada pessoa tenha vários carros, por exemplo, e é necessário que a matriz energética seja radicalmente re-estruturada. Por outro lado, a relutância dos países pobres em assumir metas de redução de emissões, para não colocar em risco o desenvolvimento destes, não procede, pois existem diversos estudos que demonstram que degradação ambiental não resulta, necessariamente, em desenvolvimento6.

Nos últimos dias parece que as esperanças em relação a COP15 têm se renovado. Com vários países assumindo compromissos de redução de emissões. “Minha esperança é que tenhamos um acordo forte. Agora, pela primeira vez a minha esperança está próxima das minhas expectativas com relação à Copenhagen. Um acordo fará com que o público perceba que todos estes anos de falta de ação ficaram para trás, e isso por si só vai nos colocar numa trilha de mudança”, disse o cientista indiano Rajendra Pachauri, presidente do Painel Integovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)7. Apesar disto, ainda paira uma grande dúvida se, ao fim da COP15, haverá um acordo ambicioso e comprometido sobre o clima.

A participação popular está exercendo, e pode aumentar ainda mais, grande influência sobre o andamento das negociações pré-COP15, e vai fazê-lo, também, durante o evento. Podemos dividir estes grupos de pressão em duas tendências abrangentes de movimentos sociais – lembrando que a pluralidade de projetos e heterogeneidade na organização dessas forças são riquíssimas. A primeira é composta por movimentos nacionais e internacionais que realizam inúmeras ações, possuem estrutura organizacionais semi-descentralizadas, formando uma grande rede mundial que integra uma enorme diversidade de grupos e instituições com propostas de níveis diferentes de radicalidade. A principal campanha desta tendência, divulgada no Brasil, é a Tic Tac Tic Tac8, que tem como objetivo mobilizar a sociedade civil e a opinião pública para que os governos se posicionem e estabeleçam metas ambiciosas e justas em prol de decisões concretas para combaterem as causas das mudanças climáticas e amenizarem seus efeitos. As ações defendidas por estes grupos focam em mudanças de comportamentos individuais e pressão política a partir de ciberativismo e manifestações públicas pacificas.

Uma segunda tendência dos movimentos verdes9 que estão se organizando para também marcar presença na COP15, é formada por uma infinidade de micro-coletivos, mais ou menos organizados, de várias tendências ideológicas, mas de forte cunho libertário, em geral, e que se comunicam por meio de redes virtuais e reais. Possuem estruturas organizacionais descentralizada e autônomas. São grupos que vêm de atividades focadas na realidade local, na mobilização de grupos pequenos e indivíduos que trabalham em rede. A estratégia de atuação destes grupos se dá por meio da Ação Direta. Têm uma visão ligada aos movimentos antiglobalização e anticapilatista pós Seattle, defendem uma transformação profunda, baseada não apenas em reformas do atual sistema, e sim em uma re-estruturação da sociedade e de suas formas de organização e produção. São vistos com grande desconfiança pelo público, e isto se deve, essencialmente, à cobertura dada pela grande mídia, que os divulga de forma estereotipada e infantilizada. Apesar disto, a validade destas ações se dá que ao negarem a idéia de representatividade política e de conferências como a COP15, bem como a sua legitimidade, propõem alternativas baseadas na autogestão como alternativa ao sistema vigente. Questionam, ainda, o papel dos indivíduos em sua comunidade, destacando que a iniciativa pessoal é de extrema importância para este processo.

Por fim, vemos que o Planeta, e a esmagadora maioria das pessoas que nele habitam, clamam e dependem intensamente de mudanças profundas na forma como hoje as coisas funcionam. Hoje sentimos isso no ar, e parece que não apenas o clima está esquentando, mas um outro “clima” também está começando a esquentar… e parece que vai começar a incendiar nas ruas de Copenhagen.

1ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE METEOROLOGIA (OMM). Boletín de la OMM sobre los gases de efecto invernadero, edición 2008. Disponível em <http://www.wmo.int/pages/mediacentre/press_releases/pr_868_es.html&gt;. Acessado em 25/nov/2009.

2CHADE, J. Concentração de gases-estufa é a maior já registrada, diz ONU. O Estado de S. Paulo. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,concentracao-de-gases-estufa-e-a-maior-ja-registrada-diz-onu,470815,0.htm>. Acessado em 23/nov/2009.

3CERRI, C. C.; MAIA, S. M. F.; GALDOS, M. V.; CERRI, C. E. P.; FEIGL, B. J. & BERNOIX, M. Brazilian Greenhouse Gás Emissions: the Importance of Agriculture and Livestock. Scientia Agrícola (Piracicaba). V.66, n.6, p. 831-843, Novembro/Dezembro. 2009.

4MAZENOTTI, P. Cada brasileiro emite por ano 10 toneladas de gás carbônico, informa Inpe. Agência Brasil. Disponível em <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/11/18/materia.2009-11-18.2326118644/view> . Acessado em 23/nov/2009.

5MUNARI, C. Lula propõe verba de países ricos para proteção do clima. Reuters. Disponível em <http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRSPE5AT01T20091130>. Acessado em 30/nov/2009.

6LAMIM-GUEDES, V. Prima Pobre e Prima Rica: a Floresta Amazônica e a Moita Atlântica . Portal Ecodebate: Cidadania e Meio Ambiente, 07 out. 2009. Disponível em <http://www.ecodebate.com.br/2009/10/07/prima-pobre-e-prima-rica-a-floresta-amazonica-e-a-moita-atlantica-artigo-de-valdir-lamim-guedes/&gt;. Acessado em 07/out/2009.

7FALEIROS, G. Chefe do IPCC tem esperanças de acordo. Disponível em < http://www.oeco.com.br/copenhague/111-copenhague/23023-chefe-do-ipcc-tem-esperancas->. Acessado em 30/nov/2009.

8Campanha Tic Tac Tic Tac. Site: <http://www.tictactictac.org.br/&gt;.

9Sites de grupos desta tendência: <http://www.climatecollective.org/en/start/>, <http://www.climate-justice-action.org/> e <www.nevertrustacop.org>.

Valdir Lamim-Guedes (Mestrando em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto, email dirguedes@yahoo.com.br ) & Márcio Bustamante (Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais, email marciobustamante@gmail.com ).

Colaboração de Valdir Lamim-Guedes para o Ecodebate, 03/12/2009