[EcoDebate] Em Canarana (MT), durante a Operação Moda Triste (fevereiro/2010), foram aprendidas peças de artesanato feitas com penas e ossos de animais silvestres. Contudo, após protestos de índios, o Ibama devolveu as peças aprendidas e ainda decidirá se a multa de 13 mil reais será paga ou não. Este acontecimento pode gerar questionamentos, por exemplo, que nem todos são iguais perante a lei, estando os índios sendo privilegiados neste caso.
“A gente não mata 40 ou 100 aves em um dia para fazer artesanato. Nós somos índios, sabemos lidar com a floresta. Nós caçamos para nos alimentar e usamos os restos dos animais para fazer os adornos. Isso sempre foi assim, essa é nossa cultura e ela deve ser respeitada. Nós usamos nossos enfeites assim como o branco usa boné”, disse Wadumba Kisêdjê, filho do cacique Kuiussi Kisêdjê. O povo Kisêdjê vive na Terra Indígena Wawi, na entrada do Parque Indígena do Xingu (MT), no município de Querênciai.
Apesar deste caso ser um desrespeito a lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98), acredito que este argumento não procede pelo fato da constituição federal, estando sobreposta ao restante da legislação, permiti aos índios a produção deste tipo de artesanato. Isto porque a constituição de 1988 assegurou aos povos indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições (art. 231), ou seja, a constituição reconhece aos índios direito de terem cultura diferente, relações diferentes inter e intragrupo e com o meio ambiente. Apesar do art. 5º. constar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o art. 231 refere-se ao “direito à diferença” dos índios, sendo considerado um grande avanço da carta de 1988, porque pela primeira vez, reconhece-se aos índios no Brasil o direito à diferença; isto é: de serem índios e de permanecerem como tal indefinidamente.
Assim, é assegurado pela constituição federal o direito dos grupos indígenas continuarem fazendo o seu artesanato, porque esta é uma característica própria da cultura destes povos e esta particularidade tem que ser respeitada. Apesar do apresentado aqui, se for comprovado a ameaça as populações dos animais silvestres das práticas desenvolvidas pelos índios, a solução deste problema deverá ser buscada inicialmente pelo diálogo (Estatuto do Índio, Lei nº. 6.001 de 19/dez/1973). Mesmo sendo bastante estranho pedir a um índio mudar algum comportamento seu para proteger uma espécie animal ou vegetal, porque o homem branco destruiu o meio ambiente ao ponto de colocar em risco a sobrevivência de tal espécie.
A idéia de “direito à diferença” tem uma base filosófica baseada na idéia de que as pessoas têm que ser tratadas de forma diferente para serem iguais. É este raciocínio que baseia ações afirmativas como o programa bolsa família e as cotas de vagas em universidade públicas. Para quem acha que todos têm que ser iguais perante a lei, o que você diria do fato de uma pessoa pobre gastar mais de 40% de sua renda com impostos, enquanto pessoas ricas pagam comparativamente percentuais muito menores? Desta forma, considerar que as pessoas têm os mesmos direitos não significa que devam receber o mesmo tratamento.
Valdir Lamim Guedes Junior, Mestrando em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto, é colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 10/03/2010
5 comentários
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11 de março de 2010 às 08:42
O Artesanato dos Índios Kisêdjê e a Operação Moda Triste do Ibama em Canarana (MT): aspectos socioambientais « Na Raiz
[…] de existirem aspectos legais discutíveis, neste artigo serão focados apenas aspectos socioambientais. É evidente que a […]
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11 de março de 2010 às 09:39
Valdir Guedes
Estou publicando aqui o comentário do Guga Sampaio sobre este texto.
……..
Perfeito, Valdir. É isso mesmo, parabéns!
Só não diria que o caso é de desrespeito à Lei de Crimes Ambientais,
porque o limite de legalidade de qualquer Lei é a própria Constituição,
como você bem o diz; e não pode haver Lei em contradição com a
Constituição.
OU seja, uma Lei não está sendo desrespeitada se o seu suposto
cumprimento desrespeitar a Constituição. Como não existe Lei que
desrespeite a Constituição, o que se conclui é que, no caso, a Lei
simplesmente não se aplica. E “não se aplicar” é algo bem diferente de
“ser desrespeitada”.
E também concordo que não há nenhuma contradição entre o que diz a
Constituição com relação aos “índios” e o espírito da legislação
ambiental de modo mais geral, posto que, o limite do direito indígena ao
exercício da sua “diferença” é, no caso, a própria sustentabilidade das
fontes de matéria prima que subsidiam um tal exercício de “diferença”,
no caso o artesanato.
Ora, se as espécies em questão se acabam ou ficam insustentáveis, se
estará descumprindo tanto a Constituição, que assegura aos índios o
direito á Diferença – que ficaria, deste modo, impraticável; quanto a
legislação ambiental no que diz respeito á conservação das espécies
silvestres nativas. Ou seja, para que os dois direitos continuem sendo
devidamente garantidos e exercidos, o caminho é o diálogo mesmo.
E o Ibama, em lugar de ficar dando batidas e apreendendo um punhado de
plumas em uma lojinha de artesanato perdida numa cidadezinha no sertão
de Mato Grosso; deveria era estar promovendo, junto com os índios,
estudos e programas para o uso sustentável dos seus estoques de fauna!
Abraços,
Guga SAmpaio
Antropólogo
ANAÍ – Associação Nacional de Ação Indigenista
email: anai@anai.org.br
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11 de março de 2010 às 09:45
Valdir Guedes
Uma coisinha. Este post é uma respsota a um texto publicado em http://www.oeco.com.br/salada-verde/38-salada-verde/23579-se-nao-fossem-indios
Por favor, se vc concorda com o que foi apresentado aqui, entre neste site e diga umas verdades para o autor…
Abs
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19 de abril de 2012 às 10:36
Dia do índio « Na Raiz
[…] O Artesanato dos Índios Kisêdjê e a Operação Moda Triste do Ibama em Canarana (MT): Aspectos le… Gostar disso:GostoSeja o primeiro a gostar disso post. Email Subscription […]
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11 de abril de 2013 às 17:00
maria alessandraloondon
eu gosto muito de artesanato
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